porta-voz do partido Batasuna
Sem diálogo não pode haver<br> paz no País Basco
«O que dá coesão ao movimento independentista de esquerda não é a luta armada da ETA, mas antes um projecto nacional e progressista para o País Basco». As palavras são de Arnaldo Otegui, porta-voz do partido Batasuna, em entrevista concedida ao Avante! a 15 de Junho, em Donostia (San Sebastian, em castelhano), duas semanas antes do presidente do governo espanhol, Rodríguez Zapatero, ter feito saber que vai dialogar com a ETA.
«A maioria política, sindical, social e institucional basca está pela soberania» «Nunca foi feito um referendo sobre autodeterminação neste país»
Recorda-se que Otegui apresentou aos estados espanhol e francês, a 14 de Novembro de 2004, uma proposta de paz, chamada «Agora o povo, agora a paz».
A proposta preconiza a criação de duas mesas de negociação: uma, onde participarão todos os partidos, sem excepção, e uma segunda, onde a ETA e o governo espanhol negociarão a resolução do conflito armado. O ponto determinante do processo de paz dá ao povo basco, pela primeira vez na sua História, o poder de se pronunciar, por via de referendo, sobre o seu próprio futuro e autodeterminação. O Batasuna diz estar disposto a aceitar um resultado que não lhe seja favorável.
Posteriormente, o líder do Partido Nacionalista Basco, que detém o governo autonómico basco, apresentou o chamado Plano Ibarretxe, que prevê igualmente a realização desse referendo.
Em Portugal, sempre que se fala de País Basco, a comunicação social dominante pretende incutir a ideia de que todo o independentista é um terrorista e pertence à ETA. Como vê e o que é, para o Batasuna, a ETA?
Antes de mais, deve-se ter em conta que a ETA é uma organização nascida no País Basco durante a época da ditadura franquista. Através da luta armada contra a ditadura, a ETA criou no nosso país um espaço sociológico e político, dotado com o projecto estratégico de criar um Estado basco, independente e socialista. Podemos, por isso, dizer que a data de nascimento do movimento independentista é a data de nascimento da ETA.
No entanto, embora assim seja, há algo que deve ser sublinhado com clareza: é que existe uma diferença fundamental entre a ETA, que pratica a luta armada, e nós, que, evidentemente não o fazemos.
Por outro lado, embora exista esta coincidência de objectivo, nós somos uma organização política que aglutina uma boa parte da população que pode ou não estar de acordo com a luta armada da ETA. O que dá coesão ao movimento independentista de esquerda deste país não é a luta armada da ETA, mas antes um projecto nacional e progressista para o País Basco.
Que avaliação faz o Batasuna do papel do Partido Nacionalista Basco (PNV) e que credibilidade lhe merece esse partido?
Para nós, o PNV representa os interesses de uma certa burguesia basca que sempre apostou em manter o mercado espanhol unido, em termos económicos, e que portanto nunca liderou um processo independentista para o nosso país. Essa é a leitura fazemos e que sempre fizemos sobre o PNV, que apenas pretende acomodar os seus interesses económicos a um espaço autonómico dentro do Estado espanhol.
Mas, ao mesmo tempo, encaramos com naturalidade que numa estratégia de libertação nacional como a nossa pode haver acordos – sempre tácticos e nunca estratégicos – entre o PNV e a esquerda independentista a fim de conseguirmos conquistar o direito de autodeterminação. A partir desse momento, os dois projectos são praticamente antagónicos. O deles, da burguesia basca que procura acomodar-se dentro do Estado espanhol, frente a uma esquerda independentista que pretende construir um Estado Basco livre e independente, construído a partir dos valores da esquerda.
Fala-se de paz, mas os tribunais e as forças de segurança continuam a fazer cumprir escrupulosamente a vossa ilegalização. Como vê o Batasuna a ambiguidade de, por um lado, se falar em diálogo e paz mas, por outro, continuar a repressão por parte dos tribunais e das forças de segurança?
Devemos ter em conta que durante a chamada «reforma ou transição democrática» os poderes fácticos que sustentaram a ditadura franquista não foram depurados. Por isso, os tribunais, as forças armadas e a polícia não foram depurados. Consequentemente, em todos esses poderes existem sectores profundamente ligados ao que é a direita mais reaccionária. Mas existe um segundo motivo que é o facto de o governo espanhol procurar fazer acreditar que o processo de paz se deve a uma debilitação extrema da esquerda independentista, que teria chegado ao processo por se encontrar permanentemente acossada, o que não lhe daria outra alternativa. Com esta ideia, o governo espanhol pretende, por um lado, fazer crer que a esquerda independentista está enfraquecida e, por outro, que a natureza e o objectivo do processo tem carácter técnico e não político, procurando forçar-nos a homologar a legalidade vigente.
A esquerda independentista dá grande importância ao mundo laboral e social, onde está representada pela central sindical, LAB. Que força tem o Batasuna entre as classes trabalhadoras e operárias bascas e quais são as prioridades na acção da LAB, em defesa dos direitos dos trabalhadores bascos?
Sempre foi claro para nós que um projecto independentista para o nosso país é, fundamentalmente, do interesse das classes trabalhadoras e populares. Esse projecto político independentista comporta, do nosso ponto de vista, um modelo social alternativo. Não pretendemos conseguir um Estado independente para reproduzirmos todas e cada uma das opressões que podem fazer estados independentes, mas consideramos que devemos aproveitar a oportunidade para construirmos um Estado partindo de outro tipo de parâmetros políticos e sociais.
Temos uma central sindical, a LAB, que reivindica, nitidamente, um sindicalismo nacional e de classe. Deverá representar actualmente cerca de 15 a 20 por cento dos trabalhadores bascos, em termos de representação sindical.
Devo salientar que a LAB, com a outra central sindical basca, a ELA – que tem origem no Partido Nacionalista Basco mas tem vindo pouco a pouco a deslizar para posições, no mínimo, progressistas social-democratas –, representa a maioria sindical neste país. Podemos afirmar com segurança que a maioria sindical basca aposta actualmente na soberania deste país.
Costuma ouvir-se, em Portugal, que o País Basco é espanhol porque apenas 15 por cento da população está com a esquerda independentista. O que pensa deste argumento?
É um argumento absolutamente falso. Podemos dizer que a maioria política, social, sindical e inclusivamente institucional do nosso país está a fazer uma aposta pelos direitos de autodeterminação e de soberania do nosso povo. Mas devemos ter em conta que são 15 por cento os que votam na esquerda independentista, nas condições actuais. Votam, inclusivamente, em situação de ilegalidade. Mas nunca foi feito um referendo sobre a autodeterminação neste país. Sabemos é que, hoje em dia, segundo as sondagens, há entre 30 e 45 por cento de cidadãos que se manifestam como independentistas. Portanto, o problema sobre se o País Basco é ou não Espanha, não depende da percentagem de votos da esquerda independentista. Para nós, é um problema de aritmética democrática. A pergunta que devolvemos é, se estão tão seguros de que nós, os bascos, nos sentimos tão plenamente espanhóis, que problema há em poder admitir um cenário democrático onde os bascos possam decidir se querem ser independentes ou não?
Poderá haver paz sem que ambas as partes reconheçam ter feito vítimas? Poderá consolidar-se um processo de paz sem se reconhecer que, do lado da esquerda independentista, também existem muitas vítimas?
O problema das vítimas é profundamente delicado em qualquer processo de superação de um conflito. A este respeito há duas coisas que sempre manifestámos: uma, é que há vítimas em todas as partes. Evidentemente, o problema das vítimas deve ser analisado de forma integral. A segunda, é que a defesa dos direitos das vítimas deve ocorrer numa fase muito avançada do processo. Caso contrário, tenta-se pôr o problema das vítimas logo de início, mais com a intenção de perturbar o processo do que de dar-lhe solução.
Estarão, por sua vez, os países mais pobres da União Europeia com a sua soberania ameaçada pelos países mais ricos?
Creio que isso é evidente. Actualmente registou-se uma evolução no debate sobre soberania, feito pela esquerda na Europa e em todo o planeta. Perante o imperialismo e o fenómeno de globalização neoliberal, reivindicar a soberania dos povos é um acto de esquerda e de soberania popular, porque só partindo deste ponto de vista é possível estruturar, organizar e desenvolver as economias nacionais a favor dos povos. No entanto, estando nós numa fase em que os países pobres dependem fundamentalmente das decisões, tanto das multinacionais como dos estados poderosos, reivindicar a soberania dos países é reivindicar a possibilidade de construir a economia, partindo de bases alternativas. Assim, reivindicar a soberania dos povos é para nós uma reivindicação nitidamente de esquerda porque, sem soberania, o melhor que podemos aspirar é a gerir o que as multinacionais e o imperialismo pretendem, seja no País Basco, seja em Portugal.
Que referências históricas e políticas tem o Batasuna no mundo e como é o seu projecto?
Sempre fomos solidários com todos os povos que lutam pela sua libertação nacional mas sentimo-nos especialmente solidários com todos os que lutam pela sua libertação nacional e pelo socialismo.
Entendemos que todos os povos têm direito à sua autodeterminação, embora tenhamos em conta que, actualmente, o imperialismo está a exercitar determinados níveis desse direito com vista ao enfraquecimento de determinadas estruturas políticas. De qualquer forma, apoiamos esse direito para todos os povos do mundo, mas particularmente aqueles que, além de lutarem pela sua soberania e autodeterminação, estão juntos connosco na luta por uma economia socialista, um mundo e um modelo político e social alternativo.
Como vê o Batasuna o chamado eurocomunismo?
Sempre fomos muito críticos em relação ao eurocomunismo. Parece-nos ter sido fruto de uma conjuntura histórica que foi, para nós, uma renúncia a transformar a sociedade, havendo ou não razões para o fazer.
Os fenómenos que estão a ocorrer hoje na América latina fazem-nos constatar que, a quem apostou na morte da luta de classes e acreditou que o fim da história estava próximo, o tempo voltou a demonstrar que a luta de classes continua a existir, bem como existem oprimidos e a sua luta de libertação nacional e social. Não procuramos identificar-nos tanto com um modelo concreto, mas entendemos que cada país e cada povo tem a necessidade de construir o seu próprio caminho, rumo ao socialismo.
Nós temos o nosso e apoiamos qualquer esforço feito, no mesmo sentido, por qualquer outro povo do planeta.
O Arnaldo Otegui está sempre ameaçado de prisão, como todos os dirigentes da esquerda independentista. Desde que a ETA decretou o cessar-fogo há três meses, já teve de pagar duas fianças milionárias para ficar em liberdade. É uma situação que ao longo de décadas tem levado milhares de famílias à falência, apesar da forte solidariedade popular dada aos presos bascos. Como está a vossa situação?
Estamos numa situação verdadeiramente escandalosa. Estamos no meio de um processo que visa a superação do conflito, no meio de um cessar-fogo permanente por parte da ETA, mantemos abertos os nossos canais de comunicação com o partido socialista mas, no entanto, todos os dias temos de apresentar-nos na esquadra da polícia, não podemos sair do Estado espanhol porque nos foi retirado o passaporte e vivemos quotidianamente no «fio da navalha», uma vez que qualquer acto público ou até conferência de imprensa que façamos pode ser judicialmente perseguido. É uma situação que deve acabar definitivamente, uma vez que é impossível acabar com qualquer conflito no mundo, perante estas condições.
Um encontro histórico
No passado dia 6, ocorreu a primeira reunião entre o PSE, representante basco do PSOE no governo espanhol, e o Batasuna, partido da esquerda independentista.
Recorda-se que o Batasuna está ilegalizado desde 2002, em resultado do pacto entre o PP e o PSOE que deu origem a uma lei dos partidos que o excluiu de todas instituições representativas para as quais estava eleito: parlamento espanhol, parlamento autónomo e dezenas de autarquias onde tinha eleitos, incluindo várias presidências, e a União Europeia, onde tinha um deputado.
Na semana passada, três meses após a ETA ter anunciado um «cessar-fogo permanente», o presidente do governo espanhol, Rodríguez Zapatero, anunciou estar disposto a iniciar o diálogo com a organização armada independentista, o que suscitou veementes protestos dos herdeiros do fascismo franquista, o PP e o PSN, na região autónoma de Navarra.
A necessidade do diálogo para a resolução do conflito só tem sido oficialmente rejeitada pela direita. Na esquerda, várias são as forças que se afirmam pelo diálogo mas, simultaneamente, recusam alterar a lei dos partidos e até exigem que seja o Batasuna a acatá-la. Em causa está o facto de a esquerda independentista sempre ter recusado condenar as acções da ETA. Esse foi o único argumento apresentado até hoje para a sua ilegalização e nunca foram provadas as alegadas ligações do Batasuna à organização armada.
Arnaldo Otegui considerou «histórica e de extrema importância», a reunião com o PSE, embora tenha criticado a «excessiva transcendência que alguns lhe deram». O encontro terá sido um primeiro de uma série de contactos multipartidários agendados para este mês.
Repressão silenciosa
São cerca de setecentos – o maior número jamais existente sequer durante a ditadura fascista de Franco -, os presos políticos bascos em cadeias espanholas e francesas. Todas as semanas são denunciadas violações sistemáticas de direitos civis, políticos e de cidadania, mas raramente a comunicação social as divulga. Tribunais especiais e polícias com práticas não esquecidas dos tempos do fascismo – a proibição de actos públicos, a tortura, a censura à imprensa com o encerramento de jornais ou a ilegalização de partidos e o fecho das suas sedes, a expulsão dos seus representantes dos cargos para que foram eleitos, além da dispersão dos presos, o exílio e outras duras medidas – fazem da realidade basca uma situação de excepção no coração da União Europeia.
Uma das medidas mais recentes é uma chamada «doutrina Parrot», graças à qual os presos que cumpriram dois terços da pena e deviam, por isso, ser libertados, são mantidos em cativeiro por tempo indeterminado, lembrando as «medidas de segurança» que a PIDE e os tribunais fascistas aplicavam antes da nossa Revolução de Abril, para tornar as condenações de presos políticos em prisão perpétua.
A proposta preconiza a criação de duas mesas de negociação: uma, onde participarão todos os partidos, sem excepção, e uma segunda, onde a ETA e o governo espanhol negociarão a resolução do conflito armado. O ponto determinante do processo de paz dá ao povo basco, pela primeira vez na sua História, o poder de se pronunciar, por via de referendo, sobre o seu próprio futuro e autodeterminação. O Batasuna diz estar disposto a aceitar um resultado que não lhe seja favorável.
Posteriormente, o líder do Partido Nacionalista Basco, que detém o governo autonómico basco, apresentou o chamado Plano Ibarretxe, que prevê igualmente a realização desse referendo.
Em Portugal, sempre que se fala de País Basco, a comunicação social dominante pretende incutir a ideia de que todo o independentista é um terrorista e pertence à ETA. Como vê e o que é, para o Batasuna, a ETA?
Antes de mais, deve-se ter em conta que a ETA é uma organização nascida no País Basco durante a época da ditadura franquista. Através da luta armada contra a ditadura, a ETA criou no nosso país um espaço sociológico e político, dotado com o projecto estratégico de criar um Estado basco, independente e socialista. Podemos, por isso, dizer que a data de nascimento do movimento independentista é a data de nascimento da ETA.
No entanto, embora assim seja, há algo que deve ser sublinhado com clareza: é que existe uma diferença fundamental entre a ETA, que pratica a luta armada, e nós, que, evidentemente não o fazemos.
Por outro lado, embora exista esta coincidência de objectivo, nós somos uma organização política que aglutina uma boa parte da população que pode ou não estar de acordo com a luta armada da ETA. O que dá coesão ao movimento independentista de esquerda deste país não é a luta armada da ETA, mas antes um projecto nacional e progressista para o País Basco.
Que avaliação faz o Batasuna do papel do Partido Nacionalista Basco (PNV) e que credibilidade lhe merece esse partido?
Para nós, o PNV representa os interesses de uma certa burguesia basca que sempre apostou em manter o mercado espanhol unido, em termos económicos, e que portanto nunca liderou um processo independentista para o nosso país. Essa é a leitura fazemos e que sempre fizemos sobre o PNV, que apenas pretende acomodar os seus interesses económicos a um espaço autonómico dentro do Estado espanhol.
Mas, ao mesmo tempo, encaramos com naturalidade que numa estratégia de libertação nacional como a nossa pode haver acordos – sempre tácticos e nunca estratégicos – entre o PNV e a esquerda independentista a fim de conseguirmos conquistar o direito de autodeterminação. A partir desse momento, os dois projectos são praticamente antagónicos. O deles, da burguesia basca que procura acomodar-se dentro do Estado espanhol, frente a uma esquerda independentista que pretende construir um Estado Basco livre e independente, construído a partir dos valores da esquerda.
Fala-se de paz, mas os tribunais e as forças de segurança continuam a fazer cumprir escrupulosamente a vossa ilegalização. Como vê o Batasuna a ambiguidade de, por um lado, se falar em diálogo e paz mas, por outro, continuar a repressão por parte dos tribunais e das forças de segurança?
Devemos ter em conta que durante a chamada «reforma ou transição democrática» os poderes fácticos que sustentaram a ditadura franquista não foram depurados. Por isso, os tribunais, as forças armadas e a polícia não foram depurados. Consequentemente, em todos esses poderes existem sectores profundamente ligados ao que é a direita mais reaccionária. Mas existe um segundo motivo que é o facto de o governo espanhol procurar fazer acreditar que o processo de paz se deve a uma debilitação extrema da esquerda independentista, que teria chegado ao processo por se encontrar permanentemente acossada, o que não lhe daria outra alternativa. Com esta ideia, o governo espanhol pretende, por um lado, fazer crer que a esquerda independentista está enfraquecida e, por outro, que a natureza e o objectivo do processo tem carácter técnico e não político, procurando forçar-nos a homologar a legalidade vigente.
A esquerda independentista dá grande importância ao mundo laboral e social, onde está representada pela central sindical, LAB. Que força tem o Batasuna entre as classes trabalhadoras e operárias bascas e quais são as prioridades na acção da LAB, em defesa dos direitos dos trabalhadores bascos?
Sempre foi claro para nós que um projecto independentista para o nosso país é, fundamentalmente, do interesse das classes trabalhadoras e populares. Esse projecto político independentista comporta, do nosso ponto de vista, um modelo social alternativo. Não pretendemos conseguir um Estado independente para reproduzirmos todas e cada uma das opressões que podem fazer estados independentes, mas consideramos que devemos aproveitar a oportunidade para construirmos um Estado partindo de outro tipo de parâmetros políticos e sociais.
Temos uma central sindical, a LAB, que reivindica, nitidamente, um sindicalismo nacional e de classe. Deverá representar actualmente cerca de 15 a 20 por cento dos trabalhadores bascos, em termos de representação sindical.
Devo salientar que a LAB, com a outra central sindical basca, a ELA – que tem origem no Partido Nacionalista Basco mas tem vindo pouco a pouco a deslizar para posições, no mínimo, progressistas social-democratas –, representa a maioria sindical neste país. Podemos afirmar com segurança que a maioria sindical basca aposta actualmente na soberania deste país.
Costuma ouvir-se, em Portugal, que o País Basco é espanhol porque apenas 15 por cento da população está com a esquerda independentista. O que pensa deste argumento?
É um argumento absolutamente falso. Podemos dizer que a maioria política, social, sindical e inclusivamente institucional do nosso país está a fazer uma aposta pelos direitos de autodeterminação e de soberania do nosso povo. Mas devemos ter em conta que são 15 por cento os que votam na esquerda independentista, nas condições actuais. Votam, inclusivamente, em situação de ilegalidade. Mas nunca foi feito um referendo sobre a autodeterminação neste país. Sabemos é que, hoje em dia, segundo as sondagens, há entre 30 e 45 por cento de cidadãos que se manifestam como independentistas. Portanto, o problema sobre se o País Basco é ou não Espanha, não depende da percentagem de votos da esquerda independentista. Para nós, é um problema de aritmética democrática. A pergunta que devolvemos é, se estão tão seguros de que nós, os bascos, nos sentimos tão plenamente espanhóis, que problema há em poder admitir um cenário democrático onde os bascos possam decidir se querem ser independentes ou não?
Poderá haver paz sem que ambas as partes reconheçam ter feito vítimas? Poderá consolidar-se um processo de paz sem se reconhecer que, do lado da esquerda independentista, também existem muitas vítimas?
O problema das vítimas é profundamente delicado em qualquer processo de superação de um conflito. A este respeito há duas coisas que sempre manifestámos: uma, é que há vítimas em todas as partes. Evidentemente, o problema das vítimas deve ser analisado de forma integral. A segunda, é que a defesa dos direitos das vítimas deve ocorrer numa fase muito avançada do processo. Caso contrário, tenta-se pôr o problema das vítimas logo de início, mais com a intenção de perturbar o processo do que de dar-lhe solução.
Estarão, por sua vez, os países mais pobres da União Europeia com a sua soberania ameaçada pelos países mais ricos?
Creio que isso é evidente. Actualmente registou-se uma evolução no debate sobre soberania, feito pela esquerda na Europa e em todo o planeta. Perante o imperialismo e o fenómeno de globalização neoliberal, reivindicar a soberania dos povos é um acto de esquerda e de soberania popular, porque só partindo deste ponto de vista é possível estruturar, organizar e desenvolver as economias nacionais a favor dos povos. No entanto, estando nós numa fase em que os países pobres dependem fundamentalmente das decisões, tanto das multinacionais como dos estados poderosos, reivindicar a soberania dos países é reivindicar a possibilidade de construir a economia, partindo de bases alternativas. Assim, reivindicar a soberania dos povos é para nós uma reivindicação nitidamente de esquerda porque, sem soberania, o melhor que podemos aspirar é a gerir o que as multinacionais e o imperialismo pretendem, seja no País Basco, seja em Portugal.
Que referências históricas e políticas tem o Batasuna no mundo e como é o seu projecto?
Sempre fomos solidários com todos os povos que lutam pela sua libertação nacional mas sentimo-nos especialmente solidários com todos os que lutam pela sua libertação nacional e pelo socialismo.
Entendemos que todos os povos têm direito à sua autodeterminação, embora tenhamos em conta que, actualmente, o imperialismo está a exercitar determinados níveis desse direito com vista ao enfraquecimento de determinadas estruturas políticas. De qualquer forma, apoiamos esse direito para todos os povos do mundo, mas particularmente aqueles que, além de lutarem pela sua soberania e autodeterminação, estão juntos connosco na luta por uma economia socialista, um mundo e um modelo político e social alternativo.
Como vê o Batasuna o chamado eurocomunismo?
Sempre fomos muito críticos em relação ao eurocomunismo. Parece-nos ter sido fruto de uma conjuntura histórica que foi, para nós, uma renúncia a transformar a sociedade, havendo ou não razões para o fazer.
Os fenómenos que estão a ocorrer hoje na América latina fazem-nos constatar que, a quem apostou na morte da luta de classes e acreditou que o fim da história estava próximo, o tempo voltou a demonstrar que a luta de classes continua a existir, bem como existem oprimidos e a sua luta de libertação nacional e social. Não procuramos identificar-nos tanto com um modelo concreto, mas entendemos que cada país e cada povo tem a necessidade de construir o seu próprio caminho, rumo ao socialismo.
Nós temos o nosso e apoiamos qualquer esforço feito, no mesmo sentido, por qualquer outro povo do planeta.
O Arnaldo Otegui está sempre ameaçado de prisão, como todos os dirigentes da esquerda independentista. Desde que a ETA decretou o cessar-fogo há três meses, já teve de pagar duas fianças milionárias para ficar em liberdade. É uma situação que ao longo de décadas tem levado milhares de famílias à falência, apesar da forte solidariedade popular dada aos presos bascos. Como está a vossa situação?
Estamos numa situação verdadeiramente escandalosa. Estamos no meio de um processo que visa a superação do conflito, no meio de um cessar-fogo permanente por parte da ETA, mantemos abertos os nossos canais de comunicação com o partido socialista mas, no entanto, todos os dias temos de apresentar-nos na esquadra da polícia, não podemos sair do Estado espanhol porque nos foi retirado o passaporte e vivemos quotidianamente no «fio da navalha», uma vez que qualquer acto público ou até conferência de imprensa que façamos pode ser judicialmente perseguido. É uma situação que deve acabar definitivamente, uma vez que é impossível acabar com qualquer conflito no mundo, perante estas condições.
Um encontro histórico
No passado dia 6, ocorreu a primeira reunião entre o PSE, representante basco do PSOE no governo espanhol, e o Batasuna, partido da esquerda independentista.
Recorda-se que o Batasuna está ilegalizado desde 2002, em resultado do pacto entre o PP e o PSOE que deu origem a uma lei dos partidos que o excluiu de todas instituições representativas para as quais estava eleito: parlamento espanhol, parlamento autónomo e dezenas de autarquias onde tinha eleitos, incluindo várias presidências, e a União Europeia, onde tinha um deputado.
Na semana passada, três meses após a ETA ter anunciado um «cessar-fogo permanente», o presidente do governo espanhol, Rodríguez Zapatero, anunciou estar disposto a iniciar o diálogo com a organização armada independentista, o que suscitou veementes protestos dos herdeiros do fascismo franquista, o PP e o PSN, na região autónoma de Navarra.
A necessidade do diálogo para a resolução do conflito só tem sido oficialmente rejeitada pela direita. Na esquerda, várias são as forças que se afirmam pelo diálogo mas, simultaneamente, recusam alterar a lei dos partidos e até exigem que seja o Batasuna a acatá-la. Em causa está o facto de a esquerda independentista sempre ter recusado condenar as acções da ETA. Esse foi o único argumento apresentado até hoje para a sua ilegalização e nunca foram provadas as alegadas ligações do Batasuna à organização armada.
Arnaldo Otegui considerou «histórica e de extrema importância», a reunião com o PSE, embora tenha criticado a «excessiva transcendência que alguns lhe deram». O encontro terá sido um primeiro de uma série de contactos multipartidários agendados para este mês.
Repressão silenciosa
São cerca de setecentos – o maior número jamais existente sequer durante a ditadura fascista de Franco -, os presos políticos bascos em cadeias espanholas e francesas. Todas as semanas são denunciadas violações sistemáticas de direitos civis, políticos e de cidadania, mas raramente a comunicação social as divulga. Tribunais especiais e polícias com práticas não esquecidas dos tempos do fascismo – a proibição de actos públicos, a tortura, a censura à imprensa com o encerramento de jornais ou a ilegalização de partidos e o fecho das suas sedes, a expulsão dos seus representantes dos cargos para que foram eleitos, além da dispersão dos presos, o exílio e outras duras medidas – fazem da realidade basca uma situação de excepção no coração da União Europeia.
Uma das medidas mais recentes é uma chamada «doutrina Parrot», graças à qual os presos que cumpriram dois terços da pena e deviam, por isso, ser libertados, são mantidos em cativeiro por tempo indeterminado, lembrando as «medidas de segurança» que a PIDE e os tribunais fascistas aplicavam antes da nossa Revolução de Abril, para tornar as condenações de presos políticos em prisão perpétua.